AS MIL E UMA NOITES
(1974, dir. Pier Paolo Pasolini)
As Mil e Uma Noites de Pasolini constrói a realidade na colcha de retalhos narrativa, reveladora do desejo e da morte sempre iminentes, em um laço indissociável com a vida. Pasolini desloca Scherazade do papel de narradora, deixando essa função a cargo da câmera, localizando o espectador em uma narrativa, a de Zumurrud. É a partir dela que a montagem onírica ganha protagonismo, marcando a aproximação entre o narrar cinematográfico e o oral, com lacunas que não faltam, mas conectam.
É em mundo pré-capitalista, tem o sexo despossuído de poder, mas também, mediador entre as relações de poder. É intrigante perceber, em um mundo com escravos e servos, o quanto cada personagem tem autonomia com seu próprio corpo. Seja para manter o controle ou abdicá-lo completamente. O amor, aqui pré-romântico, se manifesta em todas as relações por facetas, belas ou não.
A relação sexual habita na película o local do familiar cotidiano, mas que de alguma maneira se manifesta pelo oposto da estranheza inesperada. Os corpos são reais demais, fugindo de toda a estética estéril do marketing, do cinema hollywoodiano, ou da tua academia de bairro. O sexo é representado como brincadeira que, ao simular o dominador e o dominado, afirma o tesão como liberdade. Se os ricos são escravos do poder, os pobres são senhores do desejo. Tanto são que, em uma das narrativas, uma jovem aprisionada por um demônio de cabelos vermelhos, ao ser descoberta, por ter uma relação com um rapaz infiltrado, tem braços e pernas decepados, ainda sendo capaz de fazer amor com o olhar.
Longe de flertar com exotismo/fetichismo do Oriente Médio, a proposta de Pasolini é mostrar que é por transar, confrontar e amar que nos fazemos humanos. Agimos antes de pensar. Já somos antes de saber.